sábado, 31 de outubro de 2009

l'enfant

falo da criança que corre sem que nem pra que.
pouco importa pra onde ela vai.
pouco importa se a pessoa da qual ela se esconde nem existe.
pouco importa se ela cai diante de tamanha façanha que para nós parece algo impossível.
ela não precisa de mais ninguém.
ela nem parece ser alguém.
só parece.
pois é alguém que é mais do que alguém como a gente.
ela ri porque tem que rir.
ela fala quando tem que falar.
ela chora quando tem que chorar.
falo da criança que se esconde.
falo da criança que sorri pra outra criança sem querer nada mais do que sorrir.
falo porque falo.
esqueço que já cresci por um breve instante.
e na minha cabeça corro como a criança que corre sem um porquê e sem direção dentro da igreja metade escura metade clara, no meio da missa.
l'enfant.

A Jean Vigo

domingo, 25 de outubro de 2009

monólogo noturno

- o ar se esgota em meu peito
a água sai por todos os meus poros

- não, não pode ser assim.

- pouco me importa o que pensas!
não me interessa como me olhas!

- não diga isso!
não fale desse jeito!

- esqueça que um dia foi de tal forma,
ou que foi bom, ou que foi ruim.
É melhor que penses que não foi nada!

- era bom se apaixonar.
era bom sentir nas veias a paixão.

- era bom. mas a ilusão sempre foi muito melhor.
o desespero sempre foi mais inteligente.

- não fale de desespero.
olhe para a tela, é o nosso filme.

- outro dia quem sabe.
talvez eu reveja esse filme quando estiver à beira da morte.

- ainda bem que o caixão é só para os mortos.

- ele nem te liga mais.

- de quem você está falando?
estamos só nós aqui.

- com quem eu estou falando?
eu estou sozinho aqui.

- ainda bem.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

por debaixo da pele
chegando aos vasos capilares
se esconde o segredo
que ele pensa ser dele
que ele esconde dela
que não respeita

desceu vários andares
caçou o desejo
esqueceu de retocar a costela
a vida se tornou tediosa
ele pulou o jardim
e mal espera o que o espreita

andou por decepções
sentiu o peso da maravilha
encontrou na dor o único prazer
esqueceu que no pirolito estava a força
entendeu que o amor não passa de história
e o trabalho não deixa de ser real

ele diz, tenho medo
ela diz, eu também
mas rolam no orvalho
e essa história se tornou enfadonha
...
...