quinta-feira, 24 de junho de 2010

malditas lentes

eu tentava advinhar o que se passava com aquele olhar. porém o óculos redondos refletiam demais as luzes da cidade. o reflexo não me deixava entrar. entrar na alma de quem tanto amo. estávamos os dois espremidos com mais 50 pessoas nessas latas velhas e quentes que nos fazem usar para ir de um canto a outro da cidade. eu, como sempre, transpirando. ela, como sempre, intocável. se eu tivesse ido um pouco mais além. quem sabe. encontra-la-ia descoberta. mas já era tarde demais. ela já havia posto os óculos. na realidade tudo se resume aos óculos. se eu pudesse quebrá-los. mas como? agressão, não. outro dia. novamente atrasado. nada consigo ver. e ela parece enxergar bem. com os óculos. livro na mão. mão nas pernas. pernas que balançam. chuta o banco da frente. esqueço da minha parada. tenho que andar pra chegar onde deveria estar a mais de meia hora. belos reflexos nas lentes portáteis que lhe servem de olhos. e eu com meus olhos sem lentes nada consigo ver. mais um dia. mais um reflexo. lata velha. malditas lentes.

terça-feira, 1 de junho de 2010

se

se eu me projeto no mundo e transfiro o mundo em mim.
se eu faço paisagem assim como faço parte da paisagem.
se meus elétrons se vão com as coisas e as coisas me transferem os seus.
se espero do mundo e o mundo espera de mim.
se ato e desato.
se me desencanto e se desencanta o mundo.
se posso andar pelas ruas e carregar todas ruas dentro de mim.
se em minha cabeça cabe o externo e se o interno na verdade está lá fora.
se minha máscara caiu e a do mundo sorriu.
se tento encontrar pontas de fios quando na verdade são vários fios.
se na verdade meu corpo continua no mundo mesmo depois que saio do mundo.
se uma folha cai e antes em cima e agora embaixo continua a ser parte.
se, por fim, descubro que eu estou no mundo.
que o mundo continua a partir de mim.
e também antes de mim.
talvez não reste mais dúvidas de que os "ses" se desfaçam e deem lugar a continuidade.
porque eu sou, assim como o mundo também me é.