segunda-feira, 30 de agosto de 2010

de amigo pra amigo

Amigo, hoje to tão blasé
Tão sem mais nem pra que
Esse negócio de viver é complicado
To ficando enfastiado
Quero fazer punk
Melhor é viver narcotizado

kayo ygor
allan maués

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

meu artista da fome de kafka

salve o artista da fome, que procura alimento onde nada se vê - para os outros.
salve o artista da fome, que os animais enxergam mas nem pensam em comer.
salve o artista da fome, do autor e do leitor.
salve o artista da fome, que engole a narração.
salve o artista da fome, belo e triste.
salve o artista da fome, feliz por ser esquecido.
salve o artista da fome.
salve, ele engoliu o resto das palavras.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

carlos minguado - carta 4

rua plácida, 31 de janeiro de 2012

minha situação atual: embalar sonhos para vender no mercado negro. não há nada de belo nisso.
não há nada de poético nisso. na verdade é bem crua e simplória a situação. minha total inaptidão
para vender e comprar acabaram me trazendo a este ponto. por enquanto sigo. creio que já vem chegando o momento em que precisarei tomar uma decisão importante.
pelo menos uma vez na vida, não é amigo?. mas fora isso sigo respirando. ah, um tempo atrás
encontrei sua primeira namorada, estais melhor sem ela. como a vai a atual? quanto a mim.
sabe quando sentimos dobrando a esquina o perigo? e quando os ventos trazidos por ele toam as orelhas.
e que sabemos ser o perigo. temos certeza, mas torcemos por uma reviravolta. pois bem,
ele dobra a esquina, gostaria de dizer que se trata de amor, mas parece mais se tratar
de violência.
abraços.

domingo, 22 de agosto de 2010

no fim da tarde

aconteceu quando os oceanos afogaram seus peixes.
aconteceu quando meu sono afogou minha paz.
aconteceu quando a vida entornou o caldo.
aconteceu quando você enviou um recado.

despedaçou quando o ar nos sufocou.
despedaçou quando a flor murchou.
despedaçou quando o filme queimou.
despedaçou quando a luz apagou.

rimou quando a vida era cinza.
rimou quando quando a brisa era fina.
rimou quando encontrei o amor.
rimou quando morreu o ator.

aconteceu quando o véu foi cortado.
aconteceu quando os carros capotaram
aconteceu quando a sirene gritou.
aconteceu quando a máquina parou.

esqueci quando te vi.
esqueci quando senti.
esqueci quando me afoguei.
esqueci quando sorri.

entre a primeira e a terceira - pessoas
fico com a do meio.
que nem fede nem cheira.
mas que me deixa seguir sendo.

carlos minguado - carta 3

Sonora, 21/03/2011
definitivamente, amigo, não nasci para isso. o meu problema de saúde retornou com toda força.
minhas instruções são para permanecer calmo e procurar sentir como um afago a dor que o desespero causa.
porque, sim, trata-se de desespero o que sinto. andar pelas ruas, já não posso. dar minhas caminhadas ao meio-dia,
impossível. sinto, sinceramente, que meus pais carregaram por muito tempo muita mágoa e
que toda essa mágoa se transformou em algo genético que transpôs-se para a minha genética e que seria transposta a de meus
filhos, se eu os tivesse claro. acabei de ser interrompido por um telefonema, talvez as coisas melhores.
decidi me aposentar dos casos amorosos. muito complicado.
abraços.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

primeira cartinha de carlos minguado

Veracruz, 13 de novembro de 2009
amigo,
o doze vai até o limite do treze. foi o que ela me disse aquela noite.
eu senti que ela estava certa. não entendi exatamente do que ela falava.
mas sei que o pensamento era correto. ela poderia estar falando da rua 12 e da rua 13.
ou simplesmente dos números. pelo seu raciocínio ilógico, caro amigo, ela provavelmente me transmitia planos
para proteger-me durante a guerra que se aproxima (pra você sempre tem uma guerra que se aproxima;
talvez ela já tenha chegado e você nem percebeu). na realidade, naqueles dias o mundo me assustava cada vez mais.
quadrilhas de crianças roubavam o que os outros diziam ser propriedade privada e por isso
as crianças eram mortas todos os dias. e no outro dia pareciam mais. um dia esbarrei em alguém numa esquina.
pedi desculpas. minhas desculpas recebidas com um soco. permaneci no chão por algum tempo.
à propósito, isso foi na esquina da 12 com a 2. a próxima era a treze.
ela disse que não suportava mais e que o doze vai até o limite do treze.
essa dor foi pior. descobrir que doze vai até treze e depois some. ou vira treze. se transforma?
existiu, na realidade, doze e existe treze? aí ela virou e foi embora. confesso que não entendi muito bem nada sobre
a questão do números. mas sei que desde então ela nunca mais apareceu e também não a procuro.
tudo tem limite.
abraços,
carlos minguado

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

fabuloso arrependimento

o arrependimento cravara mais uma vez os dentes no pescoço do jovem análogo a um artista de cinema dos anos 20, meio cheio de pó de arroz na cara. mas a cara dele era assim mesmo. o verme passou a sugar seu sangue e com o sangue as poucas lembranças boas que lhe restavam de uma anterior que já há muito tinha se dissipado. vida anterior ou vida interior? por que talvez nada daquelas lembranças tenha realmente acontecido. lembranças como beijos em jovens bonitas. jogos de futebol com os amigos. cinema com a segunda namorada (já que a primeira odiava cinema; a relação não durou nem três semanas). jantares e almoços alegres. ah o arrependimento.
passou a destroçar sem piedade o bem estar. a arregaçar sem piedade o singelo véu que separava os bons dos maus momentos naquela vida tão inútil.
chegou com muitos anúncios. ao contrário de muita coisa que se anuncia há muito tempo, porém nunca acontece.
se ele tivesse escolhido outro caminho. se ele tivesse obedecido um pouco mais às regras. aos pais. aos ditames sociais. não. pra quê? ser infeliz sem vontade própria? então agora é infeliz com vontade própria. sem muitas lembranças de tempos bons. aguardando a depressão que acompanha o arrependimento como dois cavaleiros do Apocalipse excluídos pelo texto.
maldita seja aquela hora.
maldito seja aquele minuto.
maldito seja aquele brilho nos olhos que indicavam há vinte anos atrás que ainda havia esperança, quando na verdade a esperança parece ser a única que morre.
por fim fez outra escolha. agarrou-se ao arrependimento com força.
tornou-se misantropo.
esqueceu de tudo.
de bom e de mal.
maldito seja o agora que não deixa escolha e quando pensou já foi.
arrependa-se antes que seja tarde.