terça-feira, 26 de abril de 2011

encontre algum sentido nisso

troquei a invenção pela realidade
minha mente
usava cinto de castidade

ainda assim todo o dia é violada
imagens cortam minha retina
penetram a massa acinzentada

sem elegância me entregam
um prazer que machuca
enquanto palavras vazias pregam

o amor, por exemplo
conceito afamado
que como templo
constroem a seu agrado

com histórias absurdas
te entregam prontas
mentiras pernudas
nas quais paz encontras

mas o que é a liberdade
pra quem quer se prender
retirei o cinto de castidade
amor dá pra vender.

terça-feira, 19 de abril de 2011

enigmas

meus enigmas tem duas pernas
choram de vez em quando
às vezes se arrastam de casa para o trabalho
tentam se equilibrar num fio invisível

meus enigmas lutam para se decifrar
eles enxergam embassado
se encontram casualmente
discutem sobre enigmas

meus enigmas favoritos
sabem escrever
escrevem coisas sem sentido
mas que possuem significado

meus enigmas adorariam ser desvendados
mas sabem que a graça está em
ser mistério
dormem e acordam sem saber que são enigmas

segunda-feira, 18 de abril de 2011

fábrica

soube desde sempre o meu lugar. durante 635 dias estudei numa escola que ficava numa fábrica de sabão desativada. os alunos andavam de um lado para o outro espirrando. se coçando. aquele lugar era pernicioso. mas desde sempre nos ensinaram nosso lugar na escola. grande educação. era sair de lá para alguma fábrica. era sair de lá e entrar na faculdade? era sair de lá e entrar na roda. e continuar a rodar. no seu devido lugar. a tão falada engrenagem. uma peça a mais.
aquela escola de sabão. tive vários dias de alergia. namorei com uma menina da escola de sabão. ela era suja. andei com meus amigos pelos arredores em busca de emoção. sujávamos os outros com um líquido que escorria das paredes da escola de sabão. parecia sabão velho.
nas aulas nos ensinavam matemática, para calcular melhor as despesas futuras. mas sempre fui meio burro. vivo endividado. tinha aula de ética e cidadania. o professor mexia com as alunas durante os intervalos. entrava na sala e falava da moral. tínhamos aula de geografia. aprendemos sobre a linha da pobreza. como eu andei sobre essa linha me equilibrando. caí. sem rede pra me segurar lá embaixo.
sempre me ensinaram meu lugar. sentado em cadeiras velhas e sujas. olhando pra um quadro negro. pó de giz voando pelo ar, dançando. paredes improvisadas e escorrendo sabão velho. saindo da fábrica de sabão entrei para a prisão. agente prisional. ensino moral e bons costumes.
boas lições tive naquela escola. hoje dou minhas lições. sempre soube meu lugar. não importa se de sabão ou de refrigerante ou de animais em jaulas. meu lugar é a fábrica.

- inspirada por notícia sobre escola improvisada numa fábrica de sabão desativada.

domingo, 17 de abril de 2011

dia

ele se despediu de todo mundo na terça feira, dia 25. andou de porta e porta no trabalho. do serviços gerais ao chefe, mas talvez não nessa ordem. carimbou mais alguns papéis antes das 17 horas. foi logo depois de carimbar os papéis que ele iniciou seu caminho de despedidas. ninguém pareceu estranhar as despedidas dele. ele sempre fora educado. no pensamento ele já trazia confirmada a ideia de que aquilo era o fim. seu último dia. saiu pela porta da frente. se despediu do porteiro. entrou no carro que já tinha 10 anos, depois saiu do carro quando já estava em frente a sua casa. se despediu do carro. passou pelo jardim e deu adeus. passou pelo vaso de samambaia e deu até logo. como se houvesse espaço para plantas para o local que ele iria. foram 35 anos de serviços prestados. foram 25 anos de casamento. 17 anos como pai. 14 anos como gerente da firma. 12 anos como presidente honorário do clube de futebol da vizinhança. 5 anos como aprendiz de um poeta vagabundo com o qual iniciou uma amizade que poderia render bons frutos, não fossem os constantes furtos que o poeta cometia quando ia a casa dele. toda essa contabilidade passava pela cabeça dele. entrou em casa. esposa. filha. boa noite. despedidas. dormiu. descansado. era finalmente o fim do seu último dia. quarta feira, dia 26. carimbando papéis. mais um dia. ainda não foi dessa vez.

terça-feira, 12 de abril de 2011

objetivos impossíveis de objetivar

à espera
de ser o amor da vida de alguém
estrelar
a comédia dos amores com alguém

ser
parte do que importa
encontrar
o caminho do meio

ficar
rico sem trabalhar
ou
trabalhar e nunca ficar rico

ser
calmo
algum
dia

dirigir
sem tensão
fazer
uma tese sobre a poesia

encontrar
um pouco de paz
respirar
sem nem sentir

sentir
tudo
sem
nem saber que sinto

quarta-feira, 6 de abril de 2011

a presa

carrego de uma lado
para o outro
uma presa
enfiada em meu cérebro

talvez seja presa
nova
presa
de algum felino

carrego uma presa
bem no meio dos pensamentos
ela rasga toda vez
que penso

ela faz sangrar
toda hora
porque
não paro de pensar

essa presa
não é feita
de osso
ela é de material mais forte

a presa
não está presa em mim
ela é de
fora

sangrando
caminho
a presa machucando
pensando

sábado, 2 de abril de 2011

porta, cor, chuva

em sonho me vejo entrando pela porta um milhão de vezes. não consigo me enxergar saindo. mas logo em seguida lá estou de novo entrando pela porta. a única diferença são minhas roupas que mudam de tonalidade. depois do azul o amarelo. depois do amarelo o verde. são as sequências das quais me lembro. então começa a chover. e eu continuo a entrar pelas portas. mudança de cores nas roupas. chuva. nunca consigo sair. apenas entrar pela porta. até que acordo e vejo que a porta do quarto está fechada. estou sem roupa. e que faz um calor infernal. prefiria o sonho.