segunda-feira, 18 de abril de 2011

fábrica

soube desde sempre o meu lugar. durante 635 dias estudei numa escola que ficava numa fábrica de sabão desativada. os alunos andavam de um lado para o outro espirrando. se coçando. aquele lugar era pernicioso. mas desde sempre nos ensinaram nosso lugar na escola. grande educação. era sair de lá para alguma fábrica. era sair de lá e entrar na faculdade? era sair de lá e entrar na roda. e continuar a rodar. no seu devido lugar. a tão falada engrenagem. uma peça a mais.
aquela escola de sabão. tive vários dias de alergia. namorei com uma menina da escola de sabão. ela era suja. andei com meus amigos pelos arredores em busca de emoção. sujávamos os outros com um líquido que escorria das paredes da escola de sabão. parecia sabão velho.
nas aulas nos ensinavam matemática, para calcular melhor as despesas futuras. mas sempre fui meio burro. vivo endividado. tinha aula de ética e cidadania. o professor mexia com as alunas durante os intervalos. entrava na sala e falava da moral. tínhamos aula de geografia. aprendemos sobre a linha da pobreza. como eu andei sobre essa linha me equilibrando. caí. sem rede pra me segurar lá embaixo.
sempre me ensinaram meu lugar. sentado em cadeiras velhas e sujas. olhando pra um quadro negro. pó de giz voando pelo ar, dançando. paredes improvisadas e escorrendo sabão velho. saindo da fábrica de sabão entrei para a prisão. agente prisional. ensino moral e bons costumes.
boas lições tive naquela escola. hoje dou minhas lições. sempre soube meu lugar. não importa se de sabão ou de refrigerante ou de animais em jaulas. meu lugar é a fábrica.

- inspirada por notícia sobre escola improvisada numa fábrica de sabão desativada.

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