sábado, 25 de junho de 2011

vivos

você é a melhor lembrança que eu tenho. fique sempre sendo lembrança. não estrague o presente. as lembranças são melhores pertencendo ao passado. no presente elas se tornam desgostosos souvenirs. porque deixam de se alimentar do que a imaginação tem de melhor. aquilo que não é fato. a realidade mata a lembrança. detenha-se enquanto há tempo. fuja. não deixe que eu te traga pra perto de mim. continue sugando essa seiva que brota de dentro do meu mais profundo inconsciente. seja a lembrança. por mais tempo possível. mas no dia que você virar presente, tenha-me então como lembrança. que eu exista nos seus pensamentos. que eu me alimente da sua imaginação. que trocando de lugar com você eu seja agora o que de mais belo existe. e mesmo que eu sofra por saber que você não mais a minha lembrança querida, mas o fato presente e irremediável do tédio, eu serei feliz, porque de ti vou me alimentar. vou crescer. alcançarei o sublime dentro de ti. até que um dia eu volte. e não seja mais lembrança. e tudo se despedace. e com um laço amarrado na cabeça eu serei presente. mas isso é no futuro. aproveite a lembrança de mim. mas aí chego a uma questão: não fosse a realidade de onde poderíamos tirar matéria prima para criar as lembranças? então volto e fico entre a lembrança e o presente. a todo momento vou e volto. você vem e volta. estamos assim. vivos.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

barriga

por que você não se cala pra que eu possa ler em paz? andei até a janela. do 5º andar pude enxergar lá longe um pátio de escola. crianças ensaiavam danças típicas para apresentações que acontecem por aqui nessa época do ano. ela continuava falando. deitada na cama. estirada. sua barriga avantajada por tantos litros de cerveja consumidos durante uma vida de falatórios, decepções e festinhas.

eu lia o novo livro de kim jonas. ela vinha, fazia uma espécie de mimo. uma voz esquisita. uns sons estranhos. e continuava a falar. falava do que tinha acontecido no trabalho aquele dia. na nova loucura que a mãe dela havia aprontado. dessa vez a velha tinha jogado as roupas do irmão da barriguda pra fora de casa. a velha estava ficando louca.

o livro tinha uma passagem engraçada sobre um homem que matava a mulher porque ela nunca ouvia o que ele tinha a dizer. o engraçado foi como ele a matou: jogou água quente nos ouvidos dela enquanto ela dormia. dilatar os tímpanos era a ideia que passava pela cabeça dele naquela hora. o que tinha de engraçado nisso, não sei. meu senso de humor mórbido.

eu parado em frente a janela. as crianças dançando ao longe. uma música que eu não distinguia. ela na cama. falando. aquela barriga se agigantando. eu pensei em como fui feliz um dia. sem ela. pura mentira. nunca fui feliz. mas com ela minha infelicidade alcançou proporções enormes.

mas por que eu não me livrava dela? deveria dizer o que sentia. nunca mais fiz isso. expressar o que sinto. talvez seja porque há muito tempo eu não sinto nada. e por isso pouco me importa o que ela fala ou deixa de falar. e aquelas histórias. sem interesse.

só queria ler meu livro. viver um pouco. e por viver digo ler. e ela me atrapalha. numa outra passagem o homem que matou a mulher é preso. depois disso vem seu julgamento. condenado ele parte para uma prisão distante. de lá consegue fugir. acaba se apaixonando por uma interiorana. vive feliz com ela até que ela decide que ele não a escuta. e decide matá-lo. de alguma forma os dois acabam morrendo. não lembro como. aquela mulher de grande barriga me atrapalhou bem nessa hora e a história acabou se misturando com uma história que ela contava.

abro a janela. recebo um pouco de vento no rosto. ela me pergunta o que foi. eu digo que não foi nada. volto para meu sofá. ela na cama. retomo a leitura de onde havia parado. capítulo 5, página 198. ela parou de falar por um instante. olho pra ela. aquela barriga. aquela voz, agora muda. me pergunto por que. e me respondo, você precisa de alguém pra lhe perturbar a leitura. só por isso. não sinto nada. e existe um contentamento em não sentir nada. ela volta a falar. alguma história sobre a infância. justo agora que chegavam à cidade policiais para desvendar as circunstâncias da morte do casal. algum novo personagem entrou na história. ou seria essa a história que ela me contava? não sei. leio. a barriga dela é cheia de palavras.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

do amor

para O.M.R
hoje não encontrei o meu amor
ainda assim o encontro ao meu redor
meu amor é assim invisível
é como o ar
está por todos os lados
não o vejo
mas ele tem peso
e por maior que seja esse peso
eu o carrego em meu peito
que muito espaço ainda tem
terras e terras virgens
onde meu amor possa correr
brincar
crescer
viver
hoje não encontrei o meu amor
nunca encontrei o meu amor
mas sei que ele existe
isso me basta
por hoje

sexta-feira, 10 de junho de 2011

à musa do impossível

ela não anda
ela flutua
ela paira no ar
seus pés são plumas

ela não olha
ela vê
e ela me vê
mas não olha

ela contradiz
o que me diz


ela não existe
ela é verdade

ela é impossível
não improvável
ela é a marca
que nunca some

ela é o par perfeito
ela é ímpar
ela não cabe nos meus dedos
ela existe em segredo