quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

zumbi mendigo

figura que se arrasta
corpo deformado
em minha direção
busco fugir

cena segunda
zumbi se arrasta
em minha direção
busco fugir

cena quarta
ando pela esquina
figura continua a se arrastar
balbucia algo

cena sexta
zumbi
balbucia algo
que não quer dizer nada

cena oitava
zumbi se revela
não era zumbi
era mendigo

cena décima
mendigo
abandonado pelos pais aos seis anos
pedinte há mais de 15 anos

cena décima segunda
mendigo
zumbi
louco desde sempre

cena décima quarta
me envergonho
mas continuo a andar
zumbi segue seu caminho

cena décima sexta
indeciso zumbi tropeça
mendigo cai
ninguém lhe vê

cena décima oitava
encosto a cabeça no travesseiro
sonho com o fim
zumbi na rua, noite, frio, zumbi

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

talvez seja julgado por insensível ou sei lá o que, mas pouco importa. mas parece-me às vezes que situações como bebês abandonados na noite de natal são produzidas especificamente para serem vendidas como o espetáculo que o são nesses dias em que se consome palavras à rodo sem se pensar na indigestão. é sempre a mesma história de 'a notícia que emocionou o brasil'. é sempre o mesmo mal estar. não vou dizer que não me importa que uma criança seja abandonada pela própria mãe. só me deixa mal saber que são notícias assim que as pessoas passam a esperar com ansiedade, como esperam pela nova revista caras, ou o último episódio da novela. vão dizer que não querem mais que isso aconteça, mas são coisas assim quem mantém uma espécie de falsa emoção transmitida por palavras sem vida que vem da boca do apresentador do jornal. e eu já tô repetindo muito do que já foi dito. e até isso já começa a me cansar.

domingo, 26 de dezembro de 2010

mistura

pra sorrir precisa força
pra chorar precisa momento
pra andar precisa nada
pra falar precisa assunto

pra comer pouco importa comida
pra vestir andaria nu
pra sentir pagaria um milhão
pra crescer esticaria as pernas

pra comprar usaria cartão de crédito
pra ano novo venderia o velho
pra ano velho viveria pra sempre
pra doença encontraria cura

pra desejo encontraria sonho
pra encontrar perderia
pra escrever apontaria o lápis
pra misturar usaria colher de pau

pra tirar o peso descansaria
pros remédios desarmaria
pra desabar falta pouco
pra viver talvez nunca

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

perguntas e respostas

- afinal o que somos nós?

- pontos de interrogação ambulantes!

- e pode-se viver assim?

- é assim que se vive!

- mas como é possível?

- é possível assim como eu falo com você e você me escuta!

- mas eu não estou te escutando ou estou?

- não sei!

- eu tenho as perguntas e você as respostas?

- desculpa, o que que você disse mesmo?

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

nota 2

dia 36
caminho entre relevos esquisitos. eles me fazem recordar caminhos que percorri na minha infância. existe algo no tempo desse lugar que o faz totalmente diferente do país de onde venho.
sinto falta da minha amada. sei que ela nem se lembra mais de mim. falta. sobre a falta já escrevi em outra oportunidade em algum lugar. há algo muito forte nesse lugar. existem pontes. talvez os residentes daqui se vistam de preto e cantem músicas que remontem às feras existentes aqui ou lá.
sei que tudo parece confuso para quem lê. mas quem lê sou eu mesmo. penso nos admiradores do vento. são seres que aqui vivem, mas ao mesmo tempo não vivem. creio que meus compatriotas talvez os chamassem de cata ventos. mas eles não são apenas cata ventos. tem algo de equilíbrio neles, do qual o lugar inteiro depende. na verdade passo a acreditar que cada coisa está em seu devido lugar por aqui, ou seja, em eterno movimento. hoje o dia parece ensolarado, mas pode ser ilusão, tudo muda muito rápido por aqui. na próxima nota espero poder relatar o encontro com o povo ou povos que aqui residem.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

nota 1

dia 32
não sei a quem escrevo, mas a viagem tornou-se insustentável.
não para mim. tornou-se insustentável para o mundo.
cheguei do outro lado e encontrei alucinações desse lado daqui.
os espaços são invadidos a todo o momento por seres fantasmagóricos cobertos de penas
e com sorrisos infantis. procuro ajuda da consciência e ela me nega.
procuro a salvação nas bússolas e ela se recusa a indicar o norte.
creio que estarei mais seguro debaixo das asas da fênix. a pedra, em forma de fênix,
localiza-se próxima ao coração deste lugar. cheio de muralhas. busco saltá-las.
cada vez pior. continuam a cair gotas de chuva. desilusão. perdi minha última esmeralda.
encontrei por aqui os fantasmas dos meus avós. escavei mais fundo e descobri o quanto é difícil
encontrar luz cavando-se para chegar do outro lado. não recomendo que se pegue o caminho da direita.
jovens que queiram se aventurar, fiquem junto de suas mães.
esqueçam seu passado, pois ao chegar aqui ele se torna um peso desnecessário.

notas de um viajante estranho

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

conotações

dizer o que se quer sem usar a palavra dita como certa
indicar o que não se quer com a palavra certa
desestabilizar as estruturas pra encontrar o que é selvagem
entender o que é racional pra estabilizar as estruturas
esquecer quem já se foi
pra encontrar o que talvez não esteja

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

queria ser velho hoje, pra ter só boas lembranças.
de como meus planos deram certo.
de como fui feliz.
mas enquanto sonho envelheço.
porque coisa impossível é impossível.
e tempo é tempo.
e poucas linhas são poucas linhas.