quinta-feira, 14 de junho de 2007

Mensagem de um lugar que misturou meus sentidos

De Algum lugar escuro, alguma dia de um mês depois do mesmo ano - eu acho

Ai que eu ando por aí. E tem cães com moscas rodeando suas cabeças cheias de feridas e de um outro lado eis que surgem gatos prontos pra atacar os cães que estão por ora indefesos. Mas aí que como se tivessem sido dotadas de uma capacidade de fermento como dos bolos, como os que minha mãe costuma fazer nos aniversários, as moscas começam a se estufar os peitos e passam a crescer se tornado maiores e maiores. E seus olhos múltiplos cada vez mais múltiplos. E seu zumbido cada vez mais zumbido. E eu cada vez mais tonto. E elas voando e voando. E zumbindo. E engolindo os cães. E os gatos miando e sendo engolidos. A essa altura os cães não tinham mais força pra latir. E as moscas dominam o ambiente. Rodam cada vez mais rápido. Passo a enxergar minha vida em suas asas. E passa por demais rápido. E queima mais rápido ainda. E essas asas me apresentam uma tal de uma porra de sinestesia que me confunde os sentidos. Eu sinto o cheiro doce. E sinto cheiro doce é sinal que minha boca virou nariz ou vice-versa. Sinto a pele de minha amada como se a tocasse com os olhos. Então sendo assim enxergo com a pele. Passo a ouvir um som amargo. Meus ouvidos viraram bocas. Nessa conta maluca tenho mais bocas que qualquer outro órgão de meu corpo.
Uma figura estranha agora sou. E as moscas dão o nome daquele que me botou esse feitiço sisnetésico: o poeta. Figura singular que agora se encontrava em extinção. Agora via a história do mundo diante de meus olhos. Via os poetas sendo mortos. Alguns se refugiando. Os zumbidos cada vez mais zumbidos. Os ventos das asas cada vez mais rodopiantes e enlouquecedores. E minha vida. Essa passou rápido demais por entre as histórias dos reis e profetas e poetas e músicos e construtores civis. Minha vida era, então, menor que a vida destes que construíram algo. Eu construíra o que? Quase nada. Quem sabe construíra a asa das moscas que agora me infernizavam os pensamentos e sentimentos através de um processo que eu mesmo inventara: a abiogênese. Eu jogava algo sujo e eis que surgia uma mosca. Eu devo ter jogado muitas coisas sujas. As moscas são muitas e são enormes. E elas vieram me cobrar por tê-las criado. Ai que eu caio num buraco. Que não era buraco. Era algo como um olho de furacão. Veja que até o furacão tinha olho, e eu com quase tudo sendo boca e querendo sentir gosto em tudo. Eu caia e não parava de cair e nem dava sinais de que ia parar de cair. Então veio o silêncio. O julgamento talvez tivesse acabado. E eu tinha sido condenado. Agora meus olhos eram olhos. Meus ouvidos eram ouvidos. Meu nariz sentia cheiro. Minha pele queria te sentir. Só minha boca que sumira. Onde estava? Como sentiria gostos? Na verdade preferia meus olhos terem sumido já que agora estava em um ligar muito escuro e não precisaria mais deles.
O pior de tudo era querer gritar. E só pode fazer isso dentro de minha cabeça. Nem zumbido de moscas. Nem miados. Nem latidos. Nem estava mais andando. Que condenação! Escuridão sem boca. O por que? Pergunte as moscas. Faça isso por mim! Já que não posso mais falar e nem selar com um pouco de saliva esta pequena mensagem que mando do escuro. Sem saber se escrevo nos lugares certos. Nem se estou mesmo escrevendo. Mas só lhe peço uma coisa. Quando encontrares essas moscas pelo caminho vá para o lado dos cães, de alguma forma eu acho que mesmo sem latir eles podem te ajudar. E não se espante ao descobrir que talvez o seu lugar escuro pode não ser tão escuro. E que sua boca talvez permaneça com você. É que às vezes eu ainda ouço uns zumbidos. Elas não recolhem só a luz. Às vezes elas te entregam a luz. E te tiram o olhar.
E no final desta mensagem lhe digo (se é que alguém está a ler isto!) que nesse lugar em que em encontro basta escrever umas poucas palavras que o resto fica com a cabeça. Se de alguma maneira este escrito chegou a você creia que tudo que você viu comigo se originou de : Moscas, Asas, Cães, Gatos, Escuridão, Boca, Sinestesia e Solidão. E que na verdade a história que pra você se passou quem lhe criou foi a imaginação e provavelmente ela nem se passou comigo.

Grato pela atenção,
Nem me lembro de meu nome.

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