terça-feira, 12 de junho de 2007

Um conto sobre a Sede

- Você poderia me dar um pouco de água?
Com essa frase rodando minha cabeça eu acordei uma certa noite. Transtornado. Procurei por água e não achei. Procurei as chaves de casa, não achei. Depois de muito procurar as vi sobre minha velha camisa de colégio. Logo ali perto encontrei um antigo poema que tinha lido em algum lugar e escrito num papel de pão, provavelmente ela tinha caído de cima do guarda-roupas:

sendo a vida uma incógnita
os professores são inúteis pra nos ensinar sobre ela
cada um sabe o que fazer
alguns escolhem uma passagem só de ida
outros escolhem ficar parados na janela
e apenas uns poucos procuram o que ser!

Eu vivo do que como
Eu como as minhas letras
Eu escrevo no papel com o que sobra
E espalho aos ouvidos as que engoli!

Sai como todos os dias a procura de mim. Fui ao banco. Comecei por lá. Sobe uma mesa discutiam um casal de senhores e uma atendente do banco. Discutiam sobre dividas. Pensei em como eu não tinha dividas. Pensei em como eu vivia solitário. Pensei nas cascatas do Iguaçu. Sabe-se lá porque eu pensei nessas cascatas tão distantes de mim. Talvez fosse uma mensagem de alguém. De alguma lugar de onde não se podia escrever cartas. Saí do banco andei pelas ruas dali de perto. Procurava pelas malditas letras. Algo que pudesse explicar a minha sede. Encontrei próximo a uma esquina um cartaz que dizia: “Não negue água!” Não havia ninguém por perto do cartaz. Havia apenas algumas moscas e uns trapos velhos jogados. Passei a pensar no porquê daquelas palavras satisfazerem minha sede naquele momento. Mais a frente descobri o porquê daquilo eu tinha bebido as letras daquele cartaz, elas não mais estavam lá. O que era um cartaz era agora apenas um pedaço de papelão. Lembrei da frase que ouvia na minha cabeça ao acordar. Era minha voz. Eu tinha sede e alguém me deu de beber. Depois de pensar nisso avistei uma multidão em volta de algo jogado no chão. Talvez fosse um acidente. Sinto uma vontade enorme de ver. Atravesso as pessoas. Era como se elas não existissem. Pareciam meros hologramas. Eis que olho no chão alguém morto de sede. Realmente morto. Esperando pelo IML. Suas vestes se montavam, como uma quebra-cabeças, àqueles trapos que encontrei perto do antigo cartaz que bebi. Aquele homem me deu o que beber. Talvez suas últimas palavras. Que ninguém mais leu. Que ninguém quis ouvir. E eu as bebi. “Você poderia me dar um pouco de água?” Era ele que pedia na verdade. Ele me deu o que matou a minha sede. E eu sou como aqueles que nunca o deram ouvidos. Passei por ele quantas vezes? Senti o olhar dele quantas vezes? Ele secou. Secou. E eu ando por aí sem saber o que fazer. Sem me dar um sentido. “Não negue água!” E eu continuo negando. Mas quando eu vou ser aquele a quem irão negar?

I.F.I.E.A. ainda é assim

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