quem aqui já me viu sorrir? perguntou o mestre. todos balançaram a cabeça negativamente, com o mesmo gesto que seus ancestrais desenvolveram em tempos que hoje ninguém mais lembra. pois bem, continuo o mestre, não rio porque o riso distorce minha face, me torna horrendo. o riso faz de mim um ser baixo. o riso me deixa transparecer o animal que vive dentro de mim. e que animal seria esse? perguntou o mais jovem da turma. não importa qual é o animal, o que importa é que ele existe e que nunca deve aparecer, mantenha- o trancado. mantenha-o de boca vedada. mantenha-o vendado. que ele nunca enxergue a luz, essa foi a explicação do professor. então o jovem se levantou, piscou duas ou três vezes, muito rapidamente. lá fora caia uma chuva que passando pela luz que vinha dos postes parecia parar no tempo. os pingos caiam devagar. na sala fechada, num milésimo de segundo o menino esticou a ponta de direita dos lábios. em outro ele esticou a ponta esquerda. no outro o branco dos dentes apareceu. no outro ele gargalhou. no outro a língua apareceu. no outro todos na sala tinham virado vermelho. a sala tinha se tornado vermelha. tudo era sangue. tudo eram corpos retalhados. daí o animal dentro do jovem se fechou logo atrás do sorriso que se desfazia. ele abriu a porta. saiu. pensou: talvez eu deva me matricular em outra aula. lá os pingos amarelado passavam devagar e alguém os olhava do ônibus.
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