domingo, 26 de setembro de 2010

Carlos Minguado - Carta 5

rua do sol, 05 de abril de 2012
bom amigo,
sei que entendes um pouco sobre os amores e sobre as paixões. já eu, de nada entendo. talvez pudesse existir um curso certo pelo qual seguir. onde não se tropeçasse. mas pra mim, apaixonar-se é sempre ficar vulnerável. creio ainda que ficar assim já é estar em desvantagem. às vezes desejo ser frio. desejo não me importar. mas qual seria a graça de não sofrer. atualmente, trabalho numa fábrica. nessa fábrica ajudamos a fabricar falsos corações. arranjei um para mim. lhe envio outro. é um experiência um tanto estranha. uma felicidade esquisita é a de ter um coração que diz ao pé do ouvido do seu coração pulsante que te quer. porque se sabe que aquilo é programado. creio que me apaixonei pela máquina que criamos aqui. quem sabe um dia eu retorne à casualidade de encontrar um coração de verdade, não fabricado sob encomenda, mas que me queira ao mesmo tempo que eu o quero. por enquanto fico com esse falsificado. como ele nunca estou em desvantagem. como ele não sinto vontade de fugir. com ele não fico pensando o dia todo se ele está pensando em mim, pois li o manual de instruções, e sei que lá dentro dele, pelas configurações que me foram indicadas tracei as coordenadas para que ele goste só de mim. hoje em dia parece que não é vergonha nenhuma admitir que me apaixonei por uma máquina. com ela só tenho certezas. mas descobri que até esse coração tem validade. como sempre tudo acaba. talvez eu já esteja velho quando a hora de ele parar de pulsar por mim chegue. essa é a única surpresa da máquina. não sei a hora que ela vai me deixar. talvez para manter uma sensação de aventura fazemos ela com esse característica. como já disse lhe envio uma amostra grátis. use-a ou jogue-a no lixo. mas depois não se arrependa, porque pode ser que quando você for procurá-la algum vagabundo já tenha tomado para si. a esperança nunca morre. quem sabe um dia um coração natural...

abraços,

Carlos Minguado.

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