quinta-feira, 31 de maio de 2007

retirantes retirados estirados e por fim enterrados


















RETIRANTES PORTINARI


Carregando algo na cabeça. Uma trouxa de roupas pra criança segurar. Chapelão inscrito em sua testa. Medo estampado no rosto. Sentiu de perto o desgosto. Escravizado pelo suor. Escorrido em massas que se manifestam. Desconhecidos conhecidos de todos os anos. De campanhas eleitorais a campanhas publicas “publicizantes” do problema publico que não encontra solução sem pagar propina que é paga por impostos a impostores.
Do discurso narcotizante se tira o pó. Bate os sapatos gastos. Deixa o pó pra trás. Parte rumo ao desconhecido cinzento. Rumo a desgraça maior. Sem saber o que será. Todos bonecos de criança, com crianças e bonecos em seus colos. Carinho ao vivente e o inanimado que é feliz por não precisar comer nem sentir sede. Pés descalços em chão que queima. Calçados já não existem. De gastos se foram aos pastos, dos pastos ao osso, do osso nem pele. De pele e osso e carne, nem tanto. Encontrado em algum lugar comum. Em lugar nenhum. Em não-lugar. Em certo andar. A esperar. A se desesperar. A ver as horas passarem. A ver os ônibus pararem. A ver o lugar se movimentar. Não ter forças pra andar.
Se levantou. Continuou a caminhada. Chapéu marcando algo que parece vida. Palha. Fogo. Mata. Sem mata. Urubus a sobrevoar, aqui ou lá. Não importa onde está tem sempre alguém a lhe esperar. Seja animal ou seja homem. Tem sempre alguém com mais fome que ele. Ele sempre morre primeiro. De fome ou de alguma bala perdida ou de uma faca cravada no peito ao entrar na prisão por ter roubado um quilo de arroz. E nem sequer depôs. Mudo, ainda grita. Morto, ainda grita. Enterrado, ainda grita. Só o pó, calado ao vento.
Não precisa de versos
o oléo fala
a tela explica
o pó exercita
Isso foi abstrato e inconsciente, ainda que pensado conscientemente.