terça-feira, 27 de dezembro de 2011

três passagens.

ela passava o dia a separar papéis velhos que dava aos passantes que solicitavam os ditos papéis para vários usos. um dia os papéis tiveram fim e ela não pôde mais entregar os papéis aos solicitantes e nem os solicitantes passaram mais por sua casa. foi o fim da mulher dos papéis.

meu filho pediu de presente um oceano. deram-lhe um aquário de 20 litros. ele ficou feliz, mas não parou de sonhar com o oceano. como é bom sonhar. para orfeu.

ela ouvia seu rádio todas as manhãs. as ondas do rádio passaram a ecoar em seu cérebro durante a noite. quando acordou no outro dia estava surda. seu rádio agora é imaginário.

...2012...

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

a história da míngua língua na terra da tv e da fumaça invisível

tua míngua língua solta farpas
tua ignorante mente acha que o mundo é simples
nada disso existe sem tu
e com tu o mundo roda

tua singeleza ao pisar nos outros
é como um elefante a pisar nas flores
as flores gritam
mas ninguém as escuta

fritas o teu cérebro em frente a tv
encontras virtudes nos mais seletos condimentos
procuras andar sempre com incrementos
mesmo sabendo que teu nome constará numa lápide e só

apontas o dedo na cara do mais fraco
torces pelo policial que atira no mais fraco
sem saber que és, tu
tão fraco quanto os fracos

enquanto o forte
enrola notas dólares
e fuma, fuma, fuma
joga a fumaça na tua cara

o câncer cresce do inalar passivo
clamas por salvação
levantas para mudar de canal
teu controle remoto pifou

ele está no planalto
e fica chapado com teu dinheiro
e o arrancas de lá?
não. é preferível bater no mais fraco e acreditar que o poder age em teu favor.

é simples assim
porque é demais complicado
empurre goela abaixo
a fumaça, que sentes te cortar, mas que preferes ignorar

talvez porque ela seja incolor, insípida e inodora.
mas quão instável somos nós?

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Li bélu la


Seu zumbido encarou meus olhos. Seus olhos grandes panorâmicos encararam minhas orelhas. Suas asas bateram ainda por alguns microssegundos, até pararem e suas patas descansarem sobre a parede branca, imunda. A tela verde da janela não impediu que ela entrasse. Nada impediria que ela estivesse ali. Meu quarto era dela também. As asas voltaram a bater. Apaguei minha lâmpada. Ela cessou o voo.

Fechei os olhos e dormi, com ela ali no quarto, em algum canto escuro. Próximo aos livros, talvez. Amanheceu. Olho para as paredes a procura dela. Lá está. Imóvel. Na parede imunda. Parece até uma das tantas manchas em formato singular que aparecem sem querer e que nos lembram de algo. Ela não me lembra de algo. Ela é algo. Foi seu último voo. Ela veio até meu quarto pra morrer. Parada. Rígida. Na minha parede.

Sem mais voos. Sem mais zumbidos. Sem mais olhos e sons que se misturam. Eu a tomo pelas asas semitransparentes. Essas redes finas que a faziam ir e vir. Que a trouxeram até aqui. Seu corpo comprido cabe na palma das minhas mãos. Dou meia volta. Saio pela porta do quarto. No meu caminho algumas chuvas de papel picado invisíveis. Algumas homenagens prestadas por formigas. Mais paredes sujas. No som toca alguma marcha fúnebre inaudível. Chego à janela da sala. Nela não há tela verde. Os insetos lá fora zumbem, cantam e buzinam. Sons de pneus. Árvores um pouco distantes. Ponho minhas mãos pra fora. Abro-as. O corpo dela flutua. O túmulo dela é feito de ar, até que ela se choque ao chão e seja engolida pela terra ou pelos seus irmãos insetos. Descanse em paz, jacinta.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

lentidão de aprendizado


lentidão.
a falta que faz um curso de redação aplicada.
minha vez chegou e não sei o que dizer.
a gente somos ou a gente é?
nós fomos ou nós foi?
a falta que faz uma pílula de aprendizado.
a falta que faz vergonha na cara.
lentidão de aprendizado.
não é minha culpa.
talvez seja sua culpa.
estamos todos naufragando na mesma linha de caderno velho.
enquanto o comandante abandona o barco antes de mulheres, crianças e analfabetos.
encontre a próxima lata de lixo.
alimente-se dela, pois sabe-se lá quando vai aparecer comida de verdade.
ligue minha tv.
meu aprendizado.
passar bem, fui andar no parapeito do prédio do ministério da educação.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

pólis

paira sobre mim por um instante
paz
encontra em mim tua pólis

anda de encontro a outros passantes
paz
não revela de primeira tua face

discute primeiro com seus colegas
paz
pra depois agir como se eu fosse teu

encontra na filosofia
paz
porque na fisiologia já passo a me desfazer

sai por aí
paz
espalha que estou contigo

saiu por aí
paz
ao espalhar a boa nova me abandonou

de volta ao pedido
paz
de encontro a minha cidade interna



quarta-feira, 14 de setembro de 2011

transborda

para boris.macabeia
mãe, minha amiga é como eu
mãe, ela poderia ser sua filha também
minha amiga é tão perdida quanto eu
ela encontra importância quando pensa em desdém

minha amiga quer se livrar de si mesma
ela quer andar sem vestes
ela quer andar sem corpo
ela quer pairar

minha amiga talvez saiba rimar mais que eu
mas ela é tão como eu
talvez ela não ache isso
talvez eu que queira ser como ela

minha amiga tem muita raiva
eu tenho muita raiva
ela é como eu a vejo
e ela às vezes se deixa ver

e faz tempo que eu parei de tentar
tentar rimar
porque não tem rima quando se trata da minha amiga
ela transborda as estrofes
ela transborda o corpo
ela transborda de alma
ela sofre e sorri
ela é minha amiga
ela transborda em mim

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

a paisagem

a paisagem do teu rosto revela mais do que escavações revelariam sobre a história da humanidade. encontro em uma olhada rápida as transformações iniciais do animal em ser pensante. percebo olhando mais atentamente quanto relevo possui a alma humana. a alma humana que não cessou de expandir. aquela alma que planta coisas imaginárias para colher frutos saborosos. teu olhar é o espelho pelo qual posso chegar a civilizações extintas. conheço o mundo antigo. enxergo por um momento a idade das trevas. reconheço o renascimento. me intrigo com a semelhança da tua íris e a íris dos telescópios. agora você enxerga distante. dentro de mim. sinto o calor do teus olhos chegarem até meu estômago. vivificadas as sombras do passado é hora de retornar ao presente, onde és o atual ponto de chegada de correntes que flutuam há muito tempo. tempos imemoriais que pra mim se tornam memória nova quando verifico que teu rosto é fotografia da evolução. e a evolução continua. e o envelhecer é a mudança da paisagem. e teu rosto passará para tua filha, e ela será a paisagem para alguém algum dia. e eu já serei parte da história. esquecido e relembrado.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

sem sentido

a alegria sem sentido

sinto que tenho tudo que preciso

faço planos que nunca vão acontecer

ainda assim me fazem felizes

coisa estranha

estranha coisa













terça-feira, 2 de agosto de 2011

do pó ao pó

ela enfiava a faca afiada cada vez com mais força pelas suas narinas. lá embaixo todos aplaudiam o espetáculo da decadência. o que me deixa espantado sem que eu me espante é que todos torcem pela queda da heroína e quando ela finalmente cai todos choram, talvez por um tipo de perversidade que se conserva na alma de todos, perversidade que falseia antigas atitudes. atitudes que punham nas alturas o próprio agir da heroína que se auto destrói. o pior é que ela não se desfaz por um bem maior. nao existem mais bens maiores dos que os bens que estão no conforto do lar. assim como persiste um conforto em ver no espetáculo da destruição alheia sua própria destruição, mas, claro, ali, distante, alguns metros acima da cabeça, no altar dos heróis. e assim se fabricam os bons e velhos mitos. não mais da criação, mas da destruição. vida longa ao herói que se mata por matar. porém ele não morre por nada, ele morre para que o circo continue vivo e respirando. e nessa respiração espalhando o mesmo ar podre que vem desde tempos antigos mantendo nossos pulmões (des)cerebrais funcionando, pois para o circo ele só pode funcionar de uma forma: da forma que não pensa. aguardemos o nosso próximo messias, que morre por nós, por nossa mediocridade. amém.

terça-feira, 19 de julho de 2011

fragmento salvo no celular

quando a barra do vestido dela bateu em meu olhar era porque eu estava no chão. a poeira que ela fez voar fez casa no canto do meu olho direito. cada vez que eu choro é lama que desliza pelo meu rosto e cai na minha boca. o gosto do chão é impossível esquecer. eu carrego ele no ver.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

cansa

para N.S.
todos nós e as nossas frases feitas. irrigam a nossa falta de ter o que dizer. acalmam nossa alma por um breve instante. fazem chegar a alguém um pouco da gente que nem é parte da gente. ah, as frases feitas! ah, os discursos prontos, colados e copiados. ah, a falsa crença em algo que há muito está morto. e mesmo assim continuamos repetindo. andando de um lado para o outro sem saber o porque. encontrando nos outros um simples sentimento, que acreditamos ser sentimento por não saber que outro nome dar. e a gente se repete desde sempre. e toma isso como novidade. talvez eu esteja esperando algo que não seja humano. e só de esperar por isso, eu sou humano. e entro nesse fluxo constante de repetições, frases feitas e contra propostas. e aí eu faço parte de algo. e como isso cansa.

sábado, 25 de junho de 2011

vivos

você é a melhor lembrança que eu tenho. fique sempre sendo lembrança. não estrague o presente. as lembranças são melhores pertencendo ao passado. no presente elas se tornam desgostosos souvenirs. porque deixam de se alimentar do que a imaginação tem de melhor. aquilo que não é fato. a realidade mata a lembrança. detenha-se enquanto há tempo. fuja. não deixe que eu te traga pra perto de mim. continue sugando essa seiva que brota de dentro do meu mais profundo inconsciente. seja a lembrança. por mais tempo possível. mas no dia que você virar presente, tenha-me então como lembrança. que eu exista nos seus pensamentos. que eu me alimente da sua imaginação. que trocando de lugar com você eu seja agora o que de mais belo existe. e mesmo que eu sofra por saber que você não mais a minha lembrança querida, mas o fato presente e irremediável do tédio, eu serei feliz, porque de ti vou me alimentar. vou crescer. alcançarei o sublime dentro de ti. até que um dia eu volte. e não seja mais lembrança. e tudo se despedace. e com um laço amarrado na cabeça eu serei presente. mas isso é no futuro. aproveite a lembrança de mim. mas aí chego a uma questão: não fosse a realidade de onde poderíamos tirar matéria prima para criar as lembranças? então volto e fico entre a lembrança e o presente. a todo momento vou e volto. você vem e volta. estamos assim. vivos.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

barriga

por que você não se cala pra que eu possa ler em paz? andei até a janela. do 5º andar pude enxergar lá longe um pátio de escola. crianças ensaiavam danças típicas para apresentações que acontecem por aqui nessa época do ano. ela continuava falando. deitada na cama. estirada. sua barriga avantajada por tantos litros de cerveja consumidos durante uma vida de falatórios, decepções e festinhas.

eu lia o novo livro de kim jonas. ela vinha, fazia uma espécie de mimo. uma voz esquisita. uns sons estranhos. e continuava a falar. falava do que tinha acontecido no trabalho aquele dia. na nova loucura que a mãe dela havia aprontado. dessa vez a velha tinha jogado as roupas do irmão da barriguda pra fora de casa. a velha estava ficando louca.

o livro tinha uma passagem engraçada sobre um homem que matava a mulher porque ela nunca ouvia o que ele tinha a dizer. o engraçado foi como ele a matou: jogou água quente nos ouvidos dela enquanto ela dormia. dilatar os tímpanos era a ideia que passava pela cabeça dele naquela hora. o que tinha de engraçado nisso, não sei. meu senso de humor mórbido.

eu parado em frente a janela. as crianças dançando ao longe. uma música que eu não distinguia. ela na cama. falando. aquela barriga se agigantando. eu pensei em como fui feliz um dia. sem ela. pura mentira. nunca fui feliz. mas com ela minha infelicidade alcançou proporções enormes.

mas por que eu não me livrava dela? deveria dizer o que sentia. nunca mais fiz isso. expressar o que sinto. talvez seja porque há muito tempo eu não sinto nada. e por isso pouco me importa o que ela fala ou deixa de falar. e aquelas histórias. sem interesse.

só queria ler meu livro. viver um pouco. e por viver digo ler. e ela me atrapalha. numa outra passagem o homem que matou a mulher é preso. depois disso vem seu julgamento. condenado ele parte para uma prisão distante. de lá consegue fugir. acaba se apaixonando por uma interiorana. vive feliz com ela até que ela decide que ele não a escuta. e decide matá-lo. de alguma forma os dois acabam morrendo. não lembro como. aquela mulher de grande barriga me atrapalhou bem nessa hora e a história acabou se misturando com uma história que ela contava.

abro a janela. recebo um pouco de vento no rosto. ela me pergunta o que foi. eu digo que não foi nada. volto para meu sofá. ela na cama. retomo a leitura de onde havia parado. capítulo 5, página 198. ela parou de falar por um instante. olho pra ela. aquela barriga. aquela voz, agora muda. me pergunto por que. e me respondo, você precisa de alguém pra lhe perturbar a leitura. só por isso. não sinto nada. e existe um contentamento em não sentir nada. ela volta a falar. alguma história sobre a infância. justo agora que chegavam à cidade policiais para desvendar as circunstâncias da morte do casal. algum novo personagem entrou na história. ou seria essa a história que ela me contava? não sei. leio. a barriga dela é cheia de palavras.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

do amor

para O.M.R
hoje não encontrei o meu amor
ainda assim o encontro ao meu redor
meu amor é assim invisível
é como o ar
está por todos os lados
não o vejo
mas ele tem peso
e por maior que seja esse peso
eu o carrego em meu peito
que muito espaço ainda tem
terras e terras virgens
onde meu amor possa correr
brincar
crescer
viver
hoje não encontrei o meu amor
nunca encontrei o meu amor
mas sei que ele existe
isso me basta
por hoje

sexta-feira, 10 de junho de 2011

à musa do impossível

ela não anda
ela flutua
ela paira no ar
seus pés são plumas

ela não olha
ela vê
e ela me vê
mas não olha

ela contradiz
o que me diz


ela não existe
ela é verdade

ela é impossível
não improvável
ela é a marca
que nunca some

ela é o par perfeito
ela é ímpar
ela não cabe nos meus dedos
ela existe em segredo

terça-feira, 31 de maio de 2011

do marcador de livro antigo

quantas vezes mais
cairás de dentro do livro
agora corroído
pelas traças imortais?

e ainda virás
pousar sobre o vento
esquecendo em meu aposento
o odor que se refaz

eis que encontro em teu abrigo
amigo velho
tantos tempos em que me espelho
tantas histórias contadas sem ter sabido

e ao olhar pra ti me lembrarei
que as lembranças que agora mostras
ainda que decompostas
são parte do caminho que guiei.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

gengiva

parte da gengiva retirada. o herói cambaleava. no seu rosto via-se algo que vai além da simples dor física. uma lembrança talvez. algo que dói um pouco mais. ele avistava agora sua antiga casa. mas sem hesitar a explode com 10 kg de explosivos. cambaleando o herói olha para a frente. sangue sobre os dentes. serpentes aos seus pés. intromissão rápida. no canto esquerdo da sua visão ele enxerga um anúncio antigo da coca-cola. sente sede. gelado faria bem sobre a carne viva na boca. mas no seu caminho não há paradas. sem cambalear ele decide que cambalear faz parte do seu jeito de andar. e que tudo afinal está como antes. nessa visão complicada das coisas, ainda que uma resolução simples, ele encontra um pouco de paz. continua o caminho. explode mais dois ou três prédios. sem ligação alguma com a infância, nem com o presente, adulto. prevê que seu caminho chega ao fim. mais sangue brota da ferida aberta. uma ave passa por ele. ele não teme. vê um sorriso. ao lado da estrada. se concentra naquele sorriso. aquele sorriso é tudo pra ele agora. nada mais importa. larga suas bombas. deita-se no chão. olhado do alto se assemelha a um anjo. mas quem o olharia do alto. ninguém. o sorriso. marcado na parede. só um sorriso. o herói fecha os olhos. sua missão não foi cumprida. faltou um prédio a ser detonado. na parede o sorriso começa a sangrar. logo aparece o caminhão de lixo. adeus ao herói. prédios se recompondo. gengiva que sangra. na parede. só nela. sem mais explosões naquele dia.

domingo, 15 de maio de 2011

exigências

reciprocidade_______________ inexistência de um só

cidade ______________________ e eu só

romance_______________ imaginação

imagem______________ impossível

amanhã ______________mais do mesmo

segunda-feira, 9 de maio de 2011

nada a contar

a primeira coisa que pensou ao acordar foi em seu amor. mas não foi um pensamento bom. levantou. se banhou. escovou os dentes. após o café, partiu para o trabalho. pouco importa o que ele fez naquele dia. quem encontrou. coisas que derrubou. o que importava era a história que se desenrolava dentro da cabeça dele. reinventava a cada momento. a cada minuto um final diferente. e o pensamento inicial da manhã permanecia ali. e o tempo passando. narrativa interna. voltou pra casa. se banhou. dormiu. a narrativa era só dele. o pensamento também. o sono também. uma história que não diz nada. sabe-se lá o que ele pensou. talvez um pensamento bom no outro dia.

sábado, 7 de maio de 2011

mais uma de carlos minguado

cidade de azueira, setembro de 2012
amigo,
estou perdido no tempo. nada de novo nisso. a grande diferença é que agora possuo outro molde.
ela me moldou a seu gosto. me encaminhou. me fez andar por sobre fios elétricos que percorrem todos os postos da cidade. depois de me moldar, jogou fora a peça final desse trabalho de artesão.
cá estou agora sem as mãos que me fizeram ser o que sou. ela, deus. no país de onde escrevo pouca coisa mudou. ainda se carece muito de palavras por aqui. os analfabetos de coração enchem as ruas em busca de amor, sendo que o coração não aprendeu a amar. eles não sabem o que é amor. nem eu sei. pensei que sabia. o amor me moldou. ela. sigo em frente, esperando novas fôrmas. perpétua mudança.
abraços,
carlos minguado

advertência

embaixo.

a si mesmo
é encontrar
provável
o mais
pular,
decidir
você
que
depois
advertência:

terça-feira, 26 de abril de 2011

encontre algum sentido nisso

troquei a invenção pela realidade
minha mente
usava cinto de castidade

ainda assim todo o dia é violada
imagens cortam minha retina
penetram a massa acinzentada

sem elegância me entregam
um prazer que machuca
enquanto palavras vazias pregam

o amor, por exemplo
conceito afamado
que como templo
constroem a seu agrado

com histórias absurdas
te entregam prontas
mentiras pernudas
nas quais paz encontras

mas o que é a liberdade
pra quem quer se prender
retirei o cinto de castidade
amor dá pra vender.

terça-feira, 19 de abril de 2011

enigmas

meus enigmas tem duas pernas
choram de vez em quando
às vezes se arrastam de casa para o trabalho
tentam se equilibrar num fio invisível

meus enigmas lutam para se decifrar
eles enxergam embassado
se encontram casualmente
discutem sobre enigmas

meus enigmas favoritos
sabem escrever
escrevem coisas sem sentido
mas que possuem significado

meus enigmas adorariam ser desvendados
mas sabem que a graça está em
ser mistério
dormem e acordam sem saber que são enigmas

segunda-feira, 18 de abril de 2011

fábrica

soube desde sempre o meu lugar. durante 635 dias estudei numa escola que ficava numa fábrica de sabão desativada. os alunos andavam de um lado para o outro espirrando. se coçando. aquele lugar era pernicioso. mas desde sempre nos ensinaram nosso lugar na escola. grande educação. era sair de lá para alguma fábrica. era sair de lá e entrar na faculdade? era sair de lá e entrar na roda. e continuar a rodar. no seu devido lugar. a tão falada engrenagem. uma peça a mais.
aquela escola de sabão. tive vários dias de alergia. namorei com uma menina da escola de sabão. ela era suja. andei com meus amigos pelos arredores em busca de emoção. sujávamos os outros com um líquido que escorria das paredes da escola de sabão. parecia sabão velho.
nas aulas nos ensinavam matemática, para calcular melhor as despesas futuras. mas sempre fui meio burro. vivo endividado. tinha aula de ética e cidadania. o professor mexia com as alunas durante os intervalos. entrava na sala e falava da moral. tínhamos aula de geografia. aprendemos sobre a linha da pobreza. como eu andei sobre essa linha me equilibrando. caí. sem rede pra me segurar lá embaixo.
sempre me ensinaram meu lugar. sentado em cadeiras velhas e sujas. olhando pra um quadro negro. pó de giz voando pelo ar, dançando. paredes improvisadas e escorrendo sabão velho. saindo da fábrica de sabão entrei para a prisão. agente prisional. ensino moral e bons costumes.
boas lições tive naquela escola. hoje dou minhas lições. sempre soube meu lugar. não importa se de sabão ou de refrigerante ou de animais em jaulas. meu lugar é a fábrica.

- inspirada por notícia sobre escola improvisada numa fábrica de sabão desativada.

domingo, 17 de abril de 2011

dia

ele se despediu de todo mundo na terça feira, dia 25. andou de porta e porta no trabalho. do serviços gerais ao chefe, mas talvez não nessa ordem. carimbou mais alguns papéis antes das 17 horas. foi logo depois de carimbar os papéis que ele iniciou seu caminho de despedidas. ninguém pareceu estranhar as despedidas dele. ele sempre fora educado. no pensamento ele já trazia confirmada a ideia de que aquilo era o fim. seu último dia. saiu pela porta da frente. se despediu do porteiro. entrou no carro que já tinha 10 anos, depois saiu do carro quando já estava em frente a sua casa. se despediu do carro. passou pelo jardim e deu adeus. passou pelo vaso de samambaia e deu até logo. como se houvesse espaço para plantas para o local que ele iria. foram 35 anos de serviços prestados. foram 25 anos de casamento. 17 anos como pai. 14 anos como gerente da firma. 12 anos como presidente honorário do clube de futebol da vizinhança. 5 anos como aprendiz de um poeta vagabundo com o qual iniciou uma amizade que poderia render bons frutos, não fossem os constantes furtos que o poeta cometia quando ia a casa dele. toda essa contabilidade passava pela cabeça dele. entrou em casa. esposa. filha. boa noite. despedidas. dormiu. descansado. era finalmente o fim do seu último dia. quarta feira, dia 26. carimbando papéis. mais um dia. ainda não foi dessa vez.

terça-feira, 12 de abril de 2011

objetivos impossíveis de objetivar

à espera
de ser o amor da vida de alguém
estrelar
a comédia dos amores com alguém

ser
parte do que importa
encontrar
o caminho do meio

ficar
rico sem trabalhar
ou
trabalhar e nunca ficar rico

ser
calmo
algum
dia

dirigir
sem tensão
fazer
uma tese sobre a poesia

encontrar
um pouco de paz
respirar
sem nem sentir

sentir
tudo
sem
nem saber que sinto

quarta-feira, 6 de abril de 2011

a presa

carrego de uma lado
para o outro
uma presa
enfiada em meu cérebro

talvez seja presa
nova
presa
de algum felino

carrego uma presa
bem no meio dos pensamentos
ela rasga toda vez
que penso

ela faz sangrar
toda hora
porque
não paro de pensar

essa presa
não é feita
de osso
ela é de material mais forte

a presa
não está presa em mim
ela é de
fora

sangrando
caminho
a presa machucando
pensando

sábado, 2 de abril de 2011

porta, cor, chuva

em sonho me vejo entrando pela porta um milhão de vezes. não consigo me enxergar saindo. mas logo em seguida lá estou de novo entrando pela porta. a única diferença são minhas roupas que mudam de tonalidade. depois do azul o amarelo. depois do amarelo o verde. são as sequências das quais me lembro. então começa a chover. e eu continuo a entrar pelas portas. mudança de cores nas roupas. chuva. nunca consigo sair. apenas entrar pela porta. até que acordo e vejo que a porta do quarto está fechada. estou sem roupa. e que faz um calor infernal. prefiria o sonho.

segunda-feira, 28 de março de 2011

fuga

jamais deixe o livro aberto
dizia o aviso
as palavras dele fogem
explicava a bibliotecária

deixem as palavras fugirem!
dizia o cartaz do manifestante
as palavras encontram liberdade quando se trancam em nossas cabeças
dizia o estudante

as palavras sempre vão fugir
dizia o ancião sábio no fim da vida
as palavras em fuga embelezam a vida
dizia o discípulo

as palavras me encontram
digo eu, agora
as palavras me fogem
digo eu depois

cuspa suas palavras
diz o policial
cuspo nas suas palavras
diz o preso

reparto palavras
diz o padre
dispenso palavras
diz o humilde

fico sem palavras
diz o apaixonado
engulo palavras
diz o afobado

as palavras chegam ao fim
diz o poeta
as palavras em mim geram frutos
diz o leitor

e assim segue a leitura

quinta-feira, 10 de março de 2011

som e cabelos tingidos

talvez um dia eu volte a escutar. eu andava ressabiado com
o barulho que surgia todas as noites por dentre as frestas da porta
que dava pra o quarto ao lado. quarto habitado por uma mulher que vi uma
ou duas vezes. ela tinha cabelos tingidos de loiro. um nariz meio curvo.
anda quase sempre com um piercing na orelha. morava então na pensão
viva luz próximo ao aeroporto. todos os dias o barulho das aviações
invadiam nosso espaço e faziam com que qualquer um parasse por um instante
para deixar o barulho correr pelo meio material que nos rodeia. uma conversa era
interrompida. uma leitura parava num momento crucial. e o avião passava.
um dia logo após o avião passar comecei a escutar o estranho barulho que vinha
do quarto da mulher de cabelos tingidos do lado. o som lembrava uma
batida sincopada de jazz. estranha comparação. da primeira vez que ouvi o som
me deixei cair sobre ele e quase flutuar. barulho repetido. e dia após dia foi assim.
passava o avião. o barulho começava. parava meia hora depois. uma dia na escada
esbarrei com a mulher. reparei que ela pouco olhou pra mim.tive a sensação de já conhecê-la
faz tempo. mas não me deixei impressionar por isso. assim seguiram os dias. barulho.
aviões. aviões. barulho. jazz. interrupções de pensamentos. um dia sonhei com
o som. foi como viver outra vida. nessa vida eu matava a mulher que amava.
a mulher que eu amava era a de cabelos tingidos. eu a conhecia desde a infância.
a vira crescer. virar uma linda mulher. via que ela começava subitamente a envelhecer.
tinha uma doença. ela estava morrendo. ela pediu que eu a matasse.
cumpri com meu papel de amante executor. aí acordei. nenhum avião tinha passado.
pelo menos não que eu tenha percebido. mas o barulho estava lá. a batida havia mudado.
no outro dia cruzei com uma mulher morena saindo do quarto ao lado do meu.
cabelos negros. sem piercing. o barulho havia mudado. segui minhas noites.
a partir desse dia fiquei surdo.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

leitura

a leitura perigosa se mistura com a realidade. estar lendo implica também um entrelaçamento do que se pensa a cada momento. palavras que não estão texto passam a ser parte do tecido que se forma na mente. uma nova narrativa se forma a cada momento. no meio da história quando o herói conta suas façanhas enfia-se um novo romance. uma paixão recém surgida que não tem razão de ser e nem futuro e que poderia fazer parte da narração do herói. existe o risco de se achar que é o herói ou então do herói sair das páginas e roubar a donzela que se deseja. a leitura é perigosa tanto quanto a vida.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

3

ancorar-se nas nuvens subentende a vontade de partir.
as nuvens não seguram nada.

2

se quiser viver sozinho misture um pouco de amargura com um tiquinho de incompreensão

sábado, 5 de fevereiro de 2011

sem destinatário

se eu te pedisse pra me dar carinho,
tu me davas?
se eu te pedisse pra sorrir,
tu sorrias?

se eu quisesse só viver de ti,
viveria?
e se eu pudesse descobrir quem sou,
poderia?

e quando eu quisesse cantar,
seria por querer?
e quando eu quisesse ler,
seria por crer?

e se eu quisesse dormir,
cantaria pro sono vim?
e se fosse só a gente no mundo,
escreveria isso pra ti?

domingo, 30 de janeiro de 2011

1

pegue uma sacola e ponha todos os seus pensamentos nela e depois toque fogo.
felicidade instantânea e nada duradoura.
logo logo voltarás a pensar.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

fone

Passagens de imagens rápidas e caóticas – ou lentas e não menos caóticas - dentro de um determinado espaço são acompanhadas pela trilha sonora a sua escolha. Dependente do seu humor e da sua vontade de viver naquele dia. Seria algo como querer traçar uma linha paralela à sucessão de imagens que invadem, por exemplo, nossa visão ao olharmos pela janela do ônibus. E essa linha paralela surge exatamente da necessidade de pular essa parte monótona da vida que é ir de um lugar ao outro. De um compromisso a um bar. Da escola pra casa. Da casa pro trabalho. Assim se conduz a façanha de poder colocar fones de ouvido e seguir viagem. Escutar talvez rime com o que se deixa escapar de tempo de vida nesses momentos de transporte em que se deseja rapidamente a existência de um tele transportador. Mas não seria também viver, esse momento em que as coisas que acontecem ao nosso redor se alinham com as batidas da canção preferida e se forma algum tipo de contemplação? Ou talvez estejamos de olhos abertos, porém sem contemplar nada nem ninguém. E para os que não possuem fones ou não gostam de ouvir música com aquele singelo dispositivo no ouvido há quem se proponha a impor a trilha sonora que bem entenda para que todos compartilhem de seu bom ou mau gosto – tanto faz – musical. E aí o percurso pode se tornar ainda mais longo pra quem tem pressa de chegar ao destino e preferia dez mil vezes apenas trilha de buzinas ou osumiço dessa parte da vida que constitui a espera.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

janelinha

às vezes eu simplesmente sento em frente àquela janelinha colorida. com suas outras janelinhas em cores variadas, mas não tão variadas. como frases de efeito e outras que não querem ter efeito algum. às vezes sento e fico apenas olhando. invisível estou. esperando que alguém venha falar comigo? acho que não. também não quero falar com ninguém. simplesmente fico olhando a janelinha. e suas atualizações. e suas diversas divisas sobre as novas tecnologias. sobre as novidades da moda. sobre o que escolher para comprar. aí resolvo fechar a janelinha. pra depois voltar a abrí-la algum tempo depois. tem algo nessa janela comunicativa a distância. simplesmente quero ficar quieto ali, com a janela aberta, até cansar.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

esperança perniciosa

esperança perniciosa, essa que aguarda o pior e que só age no sentir da dor alheia.
sentir a dor alheia por puro egoísmo de saber que o outro poderia ser eu.
afago inútil num desperdício de esforço para prevenir.
ilusão caolha que prefere acreditar no melhor quando tudo está apostado no contrário.
em frente a tudo isso, sorrir.
porque não tem outro jeito.
agora é seguir.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

formular

sem fórmula
muito menos fórmula fácil
pré fabricada
a formulação surge da vontade de questionar
e deixar de questionar é deixar de procurar pela cura da doença
é viver uma felicidade que se vende em qualquer loja ou farmácia
então se eu digo que a questão é uma fórmula para encontrar a fórmula
me questiono se é isso mesmo
nada fabricado
sem fórmula

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

sms não enviado

me cerquei com uma muralha de livros
pra poder virar personagem
pra eu eu exista apenas enquanto você me lê
pra depois poder viver apenas de vez em quando
numa lembrança ou numa releitura

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

... claro que se trata de fraqueza. entrega, de fato, não se escreve com m. mas o mais se escreve com i. claro que é fraqueza. existe uma felicidade em ser infeliz, uma amiga me diz. digo que existe um contentamento em estar descontente. então também existe força em ser fraco. e se tudo está assim tão intreligado, por que não dizer que a forma das coisas também são seus inversos? ou aquilo que está por fora? então a forma é a não forma, e fraco sou por ser forte ...